António Nabo – quase 30 anos dedicados à imprensa política
19 NOVEMBRO 2023
Um dos jornalistas mais conceituados e experientes do país é António Nabo, jornalista de 58 anos, especializado em política e que trabalha na RTP há mais de 25 anos. Concedeu uma entrevista ao nosso ciberjornal Autoavaliação, com o intuito de responder a algumas das questões mais relevantes sobre a sua profissão como os problemas do jornalismo e as dificuldades que ele encontra em fazer a cobertura mediática dos acontecimentos políticos.
por Martim Garcia

Martim Garcia: Qual foi o seu trajeto até chegar à RTP?
António Nabo: Eu comecei a minha carreira a trabalhar numa rádio local e pirata em Montemor, mas nunca fui para a universidade tirar jornalismo ou algo parecido. A determinada altura concorri a um concurso público de formação do CENJOR quando tinha 24 anos, e eram inicialmente 200 pessoas e no final ficamos apenas 20. Esse curso consistia numa formação de 10 meses e percorreu as várias áreas do jornalismo. Como eles davam uma bolsa, permitiu-me poder focar-me apenas no curso e não noutros trabalhos. O curso tinha um estágio incorporado na RTP e graças a isso consegui entrar pela primeira vez na empresa. Tive alguma sorte na altura porque aconteceu em 1992 e esse foi o ano em que apareceu a SIC, e eles andavam à procura de jornalistas. Disseram-me que queriam que eu fosse trabalhar para lá e a RTP quando soube isso decidiu contratar-me em definitivo.
MG: O que é que difere o jornalismo político das outras áreas do jornalismo?
AN: Eu acho que todas as áreas têm as suas partes mais obvias que as diferem uma das, mas também têm muitas em comum. Um jornalista político e um jornalista desportivo, embora não pareça, têm de ter muitas coisas em comum. Um jornalista político tem de saber o trajeto de muitos dos políticos que aparecem e que são muitas vezes desconhecidos, tal como acontece com os jornalistas de desporto, que têm de saber muita coisa de muitos jogadores como o seu passado e os clubes que jogaram. Um jornalista de política tem de saber quem são os protagonistas da atualidade e saber ler o futuro, é preciso saber o que aconteceu no passado, noutras épocas de crise que possam ser semelhanças à crise atual. Enquanto no desporto tem se a liberdade para se ser mais interpretativo, principalmente nas peças que se fazem, na política não pode ser bem assim. Eu costumo dizer que a imprensa política é menos criativa e descritiva que as outras áreas no jornalismo.
“Mostrarem imagens que não se podem mostrar, como imagens de crianças, que não deviam ter interesse dos meios de comunicação”
MG: O que acha da situação atual do jornalismo em Portugal?
AN: Como tudo na vida, há momentos positivos e momentos negativos. O lado positivo do jornalismo é a quantidade de meios que existem, atualmente temos uma panóplia grande de meios que não existiam quando eu comecei. O lado negativo é o facto de haver mais produto, mas não ser tão bom porque acabam por ser muitos iguais e muitas das vezes os meios de comunicação optam por ter mais quantidade e menos qualidade, isso resulta em muitas informações não precisas, há menos controle para ver se as informações são verdadeiras ou “Fake News”. Também acontece muitas vezes mostrarem imagens que não se podem mostrar, como imagens de crianças, que não deviam ter interesse dos meios de comunicação e do público. Também os direitos pioraram, porque embora os meios tenham melhorado, os salários e condições de trabalho nem tanto.
MG: Trabalhando numa empresa pública como é a RTP, já sentiu alguma pressão para condicionar as suas reportagens?
AN: A mim só me aconteceu uma vez, e não tinha haver com poder, tinha a ver com uma coisa que não tinha interesse nenhum, foi uma reportagem já há alguns anos, tinha uns 3 ou 4 anos de RTP e tive de fazer uma reportagem sobre a violência doméstica e resolvi entrevistar pessoas das 3 instituições da altura e uma das pessoas era uma figura conhecida de outro canal de televisão. Devido a isso houve algumas intimidações, mas eu disse que a reportagem já estava feita e para ir para o ar tinha de ser como eu tinha feito, senão a reportagem não iria para o ar, e a conversa acabou ali. De resto nunca sofri nenhum tipo de intimidação no meu trabalho.
MG: Como classifica o jornalismo atual?
AN: Essa é uma pergunta fácil e difícil de responder. Como já tinha dito antes, os jornalistas agora têm muito mais ferramentas do que eu tinha quando comecei. Atualmente em uma questão de segundos podemos saber de algo que aconteceu do outro lado do mundo. Um bom exemplo que te posso dar, aconteceu no dia 11 de setembro de 2001. Hoje, numa questão de segundos todos saberíamos o que se estava a passar, mas na altura como a internet era diferente, ninguém sabia o que estava a acontecer naquele momento. Mas voltando á tua pergunta acho que atualmente, embora haja outros tipos de condições, o jornalismo reflete um pouco da sociedade em nós vivemos, onde existe muita quantidade, mas talvez não tanta qualidade, e claro que esse fenómeno acontece também com muitos jornalistas. Não estou a dizer que todos os jornalistas são maus, mas eu acho que para a quantidade de jornalistas que existem, devia haver muito mais qualidade do que há. Portanto eu acho que o jornalismo atual está em evolução, mas com clara tendência a melhorar.
MG: Há muita procura por parte dos jovens para serem jornalistas políticos?
AN: Eu não sei se há muita procura por parte dos jovens, mas sei que quando vêm para aqui estagiários, eles “rodam” por todas as áreas do jornalismo aqui da RTP. Eu sinto que eles não se entusiasmam tanto pelo jornalismo político, como se entusiasmam pelo jornalismo desportivo ou pelo jornalismo mais generalista. Mas por outro lado, também vejo mais jovens jornalistas a aparecerem em outros canais de televisão a falar sobre política, mas isso também reflete a nossa sociedade, mais uma vez, porque eu acho que a política tem sido um tema que tem ganho mais importância para os jovens nestes últimos anos. Portanto sim, eu acho que existe uma procura por parte dos jovens para serem jornalistas políticos, mas não tanta quando comparado com outras áreas.
MG: Como está o estado atual da política?
AN: Digamos que a política em Portugal já esteve mais estável do que está atualmente. Claro que toda esta situação envolvendo o primeiro-ministro e vários deputados criou um grande clima de instabilidade na política em Portugal, que em nada beneficia o país. Eu como jornalista político, já acompanhei de perto várias crises e posso afirmar esta não é a maior crise que eu já vi na política em Portugal. Não quer dizer que esta seja boa, muito pelo contrário, qualquer crise é má e claro que os grandes prejudicados vão ser sempre o povo. Esta imagem que Portugal está a passar para o resto do mundo não é positiva, com diversos escândalos de corrupção.
“Mostrarem imagens que não se podem mostrar, como imagens de crianças, que não deviam ter interesse dos meios de comunicação”
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MG: Como é a sua relação com as fontes?
AN: Eu como jornalista, com quase 30 anos de experiência, posso dizer que tive ao longo dos anos boas e más relações com diversas fontes. Claro que um princípio básico para uma relação é a confiança. Nestes últimos anos não, não me posso queixar da fidelidade das minhas fontes, pois quase nunca me deram informações que não correspondessem à verdade. Eu também sempre fiz para que as fontes não me enganassem, ou seja, eu sempre tentei ir à busca de mais fontes, de modo a tentar confirmar que a notícia é verdadeira. Claro que eu já cometi erros e já acreditei em fontes que não eram fidedignas, mas é graças a esses pequenos erros que nós aprendemos. Por isso eu classifico a minha relação com as fontes como boa, mas também é boa porque eu permito que assim seja.
“A minha relação com as fontes é boa”
MG: É fácil para um jovem que acabou a sua licenciatura arranjar emprego na área do jornalismo?
AN: Eu acho que arranjar emprego como jornalista é muito mais uma questão de sorte do que uma questão de “estudo”. Um aluno pode muito bem ter acabado a licenciatura com uma média alta e acabar por não conseguir entrar porque não teve essa sorte. Acho que atualmente é muito difícil arranjar emprego em qualquer área que seja. Eu pessoalmente tive sorte em conseguir, mas sei que existem muitos jovens com licenciaturas e mestrados em jornalismo e comunicação social que não conseguem empregos nas áreas que estudaram por diversos fatores. Um bom exemplo que eu te posso dar é na minha área. Os jornalistas políticos da RTP são os mesmos há vários anos e temos pouquíssimas caras novas em quase todas as áreas, por isso acredito que arranjar um emprego na área de jornalismo, não seja fácil para um jovem.