“A foto do Tondela é a que guardo com mais carinho”
Grande entrevista com Gil Peres, fotojornalista do jornal A Bola
14 DEZEMBRO 2023
Gil Peres, fotojornalista e jornalista desportivo para o Jornal A Bola e jornalista na Agência Lusa falou em entrevista ao ciberjornal Autoavaliação, sobre os principais desafios do jornalismo desportivo e a importância das pequenas coisas num jornal desportivo.
por Rodrigo Caetano

Gil Peres, fotojornalista e jornalista do Jornal A Bola…
Rodrigo Caetano: Quais são as principais dificuldades de traduzir a intensidade de um evento desportivo para o papel?
Gil Peres: Se vou fazer sobre uma final da taça de Portugal ou fazer uma crónica sobre um jogo do Académico de Viseu, primeiro de tudo é fundamental perceber a diferença do espaço que terá um e outro num jornal. O jogo grande vai ter meia dúzia de páginas nos jornais, enquanto, por exemplo, um jogo do Académico com o Benfica B que faço para A Bola terá um cantinho no jornal. Num pequeno espaço tem de se sintetizar 90 minutos, outras vezes num jogo grande tem de se ter a capacidade de encher 10 a 12 páginas.
Se for na rádio, relatar um jogo grande ou um jogo de distrital é a mesma coisa. Em termos de imprensa, um jogo grande tem um tipo de acompanhamento próprio e obriga a fazer o trabalho de uma forma diferente do que fazer um jogo com apenas 1500 caracteres e ficha de jogo. Nos jogos da liga 2, por exemplo, na Lusa é factual, meia dúzia de parágrafos, não há nada de opinativo, tem de ser sintético. Para um Benfica - Sporting, o jornal A Bola tem 5 ou 6 pessoas a trabalhar. Essencialmente é saber a importância para quem vai querer ler e comprar o jornal no dia a seguir e a diferença está entre a oferta e a procura, não deixando de lado os mais pequenos, mas isso já é uma guerra antiga. Quem gosta de rali, ou modalidades de pavilhão, como basquetebol e andebol, acham que estes deviam ter direito a primeiras páginas mas não têm porque é a lei. Quem compra os jornais quer é ler sobre Sporting e Benfica, não quem ganhou no rali.
“Tenho fotos de jogos da seleção, de Champions, dos três grandes, que naturalmente me deram prazer em fazer, mas são fotos em muitas que existem, a do Tondela é a que guardo com mais carinho.”
RC: Que caminho poderia ser traçado para as equipas mais pequenas terem mais destaque?
GP: Não há volta a dar, vão ter sempre um cantinho num grande jornal. O que costumo dizer é se querem ser noticia têm de andar lá em cima, dou exemplo do Académico de Viseu quando no ano passado teve na luta por subir, aí teve mais acompanhamento, tinha de fazer muito mais coisas do que agora, que está mais em baixo. O Tondela quando esteve na primeira Liga, quase todas as semanas tinha de ir aos treinos fazer o fotojornalismo e agora não. Já fotografo há alguns anos e quando o Tondela recebia os grandes, várias capas da A Bola tinham fotos minhas, mas isso já nem era culpa do Tondela mas sim porque envolvia os grandes. O tipo de iniciativas que o Académico recentemente tem feito, tal como o Tondela evoluíram muito, isso dá sempre direito a uma menção na página do jornal dos três desportivos nacionais o que é importante para o clube, mas nunca vai ter um impacto numa primeira página.
Como jornalista dá-nos gozo fazer esse tipo de trabalho, mas as páginas dos jornais desportivos vão continuar a ser para os três grandes. Há uma situação ou outra como jogos olímpicos, uma modalidade que consegue um feito importante, como aconteceu no rugby. Mas a exceção não é regra e vai continuar sempre a ser os três grandes. Mas é importante os clubes continuarem a fazer o trabalho deles e fazerem-no bem, nós temos que noticiar, mas o impacto a nível nacional continua a ser o mesmo.
RC: Como é fazer fotojornalismo nos estádios e quais os principais desafios?
GP: Sempre gostei de fotografia, tinha o meu equipamento e comecei a fazer fotografias para as minhas notícias. A partir daí investi no material, até depois mais tarde entrar no jornal A Bola. Um jogo de primeira liga ou supertaça, ou jogo da Champions que já tive oportunidade de fazer, obriga-nos a uma atenção redobrada, como se costuma dizer tudo o que mexe, a gente mata. Temos de estar atentos a tudo, ter fotos de tudo, não podemos correr o risco de no final quando os editores quererem uma foto de algo que aconteceu, pedirem a foto e dizer que não temos.
Outro tipo de jogos que fazemos, é muito mais relaxado, como para o Académico de Viseu e Tondela que faço média por jogo 1000 a 1500 fotos para ser aproveitada uma, enquanto num jogo grande posso chegar às 3 mil fotos num jogo. Temos de ter fotos de dentro do campo e fora do campo, estar atentos ao jogo, ao banco e atentos às bancadas. É bastante desafiante, não só 90 minutos, é o que vai antes e depois. Fotografar em jogos Champions com estádios cheios, no Dragão, na Luz ou em Alvalade dá uma pica extra, em termos de trabalho. É como se fosse um espectador, se vai ver um jogo do distrital é giro dá para divertir, se for da Champions com estádio cheio, até fica com pele de galinha.
RC: Numa notícia online o título e o lead são muito importantes, mas também uma boa foto é fundamental. Qual será o ângulo mais interessante do jogo, para que um leitor vá ver a foto e essa foto cative?
GP: Se for um jogador que marque três golos, dá-se o destaque ao jogador. Se for uma equipa vencedora coloca-se uma foto do momento do golo, ou dos festejos, passa uma mensagem para quem vai ler. Depois há outras especificidades, como num jogo que há uma expulsão ou um lance duvidoso na área e às vezes a fotografia é um tira-teimas de dúvidas do lance. Tenho fotografias que parecem que aconteceu uma lesão grave, mas não aconteceu nada foi apenas um lance corrido. Essencialmente a fotografia tem de ilustrar o que se passa em termos da notícia, é a vantagem que alguns jornais têm em relação a quem utiliza fotos de agência. A fotografia é muito importante.
RC: Qual a memória mais impactante ou o jogo que teve mais prazer em fotografar?
GP: A foto mais importante que tirei foi no Felgueiras - Tondela, num livre que o Carvalhas marcou e deu o empate ao Tondela e garantiu a subida de divisão. O Tondela pediu-me essa foto e guardaram religiosamente. É a foto mais impactante que tenho, pelo significado que teve para o clube. Tenho fotos de jogos da Seleção nacional, de Champions, dos três grandes, que naturalmente me deu prazer em fazer, mas são fotos em muitas que existem, a do Tondela é a que guardo com mais carinho. Em termos de acompanhamento, houve um jogo que foi o que mais me deu prazer, que não fui pois estava a ver no Rossio como tanta outra gente que foi a final do europeu entre Portugal e França. Permitiu escrever sobre o que aconteceu em Viseu e fiz fotografias no Rossio, foi pelo significado que teve para Portugal e para o desporto português. Já fiz também quando o futebol feminino do Viseu 2001 subiu à primeira divisão, deu-me muito “gozo” fazer uma página para o jornal A Bola. Fiz também duas páginas sobre um clube de futebol de formação em Mangualde que na altura fizeram uma caderneta de cromos com os miúdos e esse tipo de trabalhos vai um pouco ao encontro do que falámos, às vezes, os clubes ditos pequenos conseguem aparecer porque fazem coisas diferenciadoras.

RC: Que futuro perspectiva para o jornalismo desportivo em especial na região de Viseu?
GP: Em termos de futuro se tivermos alguém na primeira liga aqui da região vai ter muito mais tempo de antena, nas televisões, nas rádios, espaços nos jornais, somos um veículo transmissor do que os clubes fazem. Temos a possibilidade de mostrar o que os outros fazem bem e a nossa profissão também depende um pouco deles.
A quase extinção dos relatos desportivos
RC: Antigamente não havia tanta transmissão televisiva dos jogos de futebol como agora há e as pessoas ligavam-se muito mais à rádio para ouvir o relato. Hoje em dia acha que isso tirou algum tempo de antena à rádio e aos relatadores?
GP: Completamente. Os relatos desportivos trazem um custo enorme para as rádios. Na altura que não havia streamings, transmissões televisivas, redes sociais, os relatos eram a forma de as pessoas poderem acompanhar, mas era muito caro como por exemplo, as despesas de transporte. Quando veio o fenómeno do streaming, perdeu-se completamente. Por exemplo, na Renascença onde eu também trabalhei, faz-se relatos dos jogos grandes, mas apenas pontuais, e apenas no online. A TSF deixou de fazer também, começou a fazer com o recurso à televisão, uma deslocação ao estrangeiro é muito caro e como há essa oferta de ver pela televisão e pelo streaming há muita pouca gente a ouvir rádio. Quem paga contas no fim do mês tem de ver essa opção, vê-se que é algo que dá muito mais despesa do que propriamente ser uma mais-valia e perdeu-se muito. Deu-se uma machadada muito grande nos relatos desportivos. Há rádios locais que ainda continuam a fazer, porque acompanham equipas dos distritais ou do Campeonato Portugal mas até mesmo aí o Canal 11 começou a transmitir jogos do Campeonato de Portugal. Se houver rádios locais que acompanham os clubes quando jogam em casa, minimizar as despesas, algumas ainda continuam a fazer. Aqui na região em Viseu em concreto há clubes da distrital que transmitem os seus jogos por streaming, no canal de Youtube, qualquer pessoa que tenha telemóvel com Internet, não quer saber do relato para nada. Os relatos têm os dias contados.
RC: Sabemos que a rádio e a imprensa estão a ser deixadas para trás um pouco no dia de hoje…tem essa perceção?
GP: O caminho é as pessoas confiarem que o que lêem nos jornais, na televisão é que é de facto real e verdadeiro, que podem ler, ver e não serem bombardeados pelo que vêem nas redes sociais. No Jornal A Bola, vê-se o titulo e este tem a missão de ser apelativo e deve fazer com que as pessoas cliquem no link e vão ler qual a mensagem que se quer passar. Muitas vezes as pessoas não se dão a esse trabalho, lêem o título e formam logo opiniões a partir daí. A imprensa tem essa missão de dar informação real e verdadeira e as pessoas acreditarem.
São essencialmente pessoas de um escalão etário mais elevado que ouvem rádio e que ainda procuram informação na rádio, porque acreditam que ali é verdadeiro, o que às vezes não acontece na televisão. Aqui há uns tempos um jornalista leu um falso twit do primeiro-ministro em pleno telejornal.
RC: Com as redes sociais às vezes as pessoas fazem críticas às notícias só olhando para os títulos e tiram conclusões precipitadas sem ler o seu interior. Como controlar isso?
GP: Às vezes por uma relação de amizade diz-se “não devia ter escrito aquilo” e há esse tipo de pressão, temos de saber lidar. Já há mais profissionalismo onde se quer resultados a todo o custo e isso vê-se muito no futebol dos miúdos em que os pais são complicados, os clubes querem ganhar a todos os custos. Por vezes há resultados de 20-0 mas isso é o que é, o jornalista não pode dizer que a equipa que marcou 20 golos, não o devia ter feito, isso não é jornalismo. Posso ter uma opinião sobre isso mas enquanto jornalista tenho de reportar os factos. Não há a questão de humilhar ou não humilhar, temos de dizer aquilo que realmente aconteceu. Se me pedirem um artigo de opinião, aí posso dar a minha opinião. O jornalismo é a factualidade, não somos nós que temos a culpa do que acontece nos jogos e se uma equipa leva 20-0. As pessoas não fazem bem essa distinção do que é uma notícia e do que é um artigo de opinião.