Plataformas de verificação de fake news não são suficientes
A Universidade Carlos III de Madrid organizou nos dias 20 e 21 de novembro de 2023 o 1.º Congresso Europeu sobre Desinformação e Verificação de Fatos em formato híbrido, num evento que reuniu os principais especialistas, académicos, jornalistas, decisores políticos e profissionais da área.
Carla Ferreira
4 DEZEMBRO 2023

A Desinformação está em todo o lado @JorgeFranganillo
Centrado no tema "Desinformação no panorama mediático UE-Ucrânia" teve como objetivo fomentar o diálogo transfronteiriço, promover a partilha de conhecimento, desenvolver estratégias inovadoras para combater a desinformação, e reforçar as práticas de verificação de factos. Durante dois dias, o 1º congresso europeu debateu o jornalismo, os jornalistas e a desinformação, e acentuou a verificação de factos como aspeto fundamental no combate à desinformação. Yevhen Fedchenko, cofundador e editor chefe de fact checking da https://www.stopfake.org/ru/glavnaya-2/, e também diretor da Escola de Jornalismo Mohyla da National Université of Kiev referiu que a StopFake tem vindo a desenvolver um trabalho continuo no sentido de analisar as narrativas utilizadas pela Rússia, nomeadamente, perceber se houve alteração das mesmas. “O mapeamento destas narrativas de desinformação, não só nos ajudam a entender melhor o sistema que eles criaram, mas também o que usam nas suas ações preditivas, e com base na análise destas narrativas, conseguimos prever o início da invasão em 2022”, acrescenta.

Yevhen Fedchenko, cofundador e editor chefe de fact checking da StopFake.org
Atualmente, um dos desafios com que se deparam no combate à desinformação tem a ver com o aumento da presença da Rússia nos países do Sul Global e que inclui Instrumentos de Hacking, Ataques Cibernéticos, Inteligência Artificial e Financiamento. “Às vezes, eles apenas mudam uma ou duas letras nos nomes dos Websites e estes ficam completamente legais e acessíveis. A Rússia procura especificamente aqueles países onde pode operar livremente, procuram pessoas que possuam a mesma ideologia e que estejam dispostas a trabalhar com eles”, acrescenta.
No âmbito do Painel 2: Construindo resiliência dos verificadores de factos ucranianos na luta contra a desinformação, o AutoAvaliação evidencia a comunicação intitulada A ciência da desinformação e das notícias falsas exposta por Carlos Elias, professor de jornalismo na Universidade Carlos III de Madrid.

Carlos Elias, professor de jornalismo na Universidade Carlos III de Madrid
O professor sublinhou a importância do jornalismo, que por ter um código de ética dos jornalistas profissionais, busca a confiança e da transparência, bem como da ciência e dos métodos científicos como o melhor caminho para alcançar a verdade. Nesta lógica, considera que os jornalistas trabalham no mesmo padrão da ciência. “Somos inspirados na ciência e nos seus métodos, que é isso que fazemos quando fazemos fact checking”, disse.
“As redes sociais são cenários de toxicidade”
No espaço do Painel 3: Mantendo a internet protegida contra conteúdos nocivos e desinformação Uxia Carral, bolsista da UC3M MediaLab, com a comunicação Guardiões da toxicidade: Combatendo o discurso de ódio e a desinformação nas redes sociais, referiu que “as redes sociais são cenários de toxicidade, criando novas formas de cultura e novas formas de interagir onde a desinibição leva as pessoas comportam-se de maneira diferente do que se estivessem cara a cara”. Deste modo, a toxicidade, sobretudo, a desinformação e o cyberbullying espalham-se devido ao algoritmo porque, normalmente, os conteúdos tóxicos tornam-se virais.

Uxia Carral, bolsista da UC3M MediaLab
Perante este cenário, consideram o Deplatforming, cujo objetivo é suspender ou banir permanentemente um usuário suspeito de ter violado as diretrizes dessas redes, uma das vias mais eficazes no combate à propagação da desinformação.
No âmbito do Painel 4: Desinformação russa na UE no contexto da guerra contra a Ucrânia, teve lugar a comunicação Desinformação russa contra o ocidente: Lições não aprendidas e pontos cegos, explicada por Nicolas de Pedro, professor, colunista dos media e investigador do Instituto de Estatística em Londres onde trabalha em questões relacionadas com a Rússia, geopolítica e ameaças híbridas.

Nicolas de Pedro, professor, colunista dos media e investigador do Instituto de Estatística em Londres
O investigador colocou em cima da mesa alguns pontos cegos e desafios que a desinformação enfrenta. Os pontos relacionam-se com a insuficiente e ineficaz resposta por se pensar que o jornalismo de qualidade, as plataformas de verificação e a educação para os media são ferramentas suficientes. “São ferramentas importantes, mas não resolvem o problema. É necessária uma resposta estratégica”, afirma Nicolas de Pedro. No seu entender, um outro ponto refere-se à incapacidade de dissuadir o desinformador, através da punição e da retaliação.
Para o professor é urgente compreender a sólida ameaça que se enfrenta relativamente à desinformação, um problema que não está relacionado com a qualidade do jornalismo, mas sim um problema mais amplo. “Há ainda um longo caminho na obtenção de uma resposta eficaz contra as ameaças daqueles que encontram nas más intenções espaço para operar”, concluiu Nicolas de Pedro.
Nereida Carrillo, professora de jornalismo, responsável por vários projetos na área da alfabetização mediática como ferramenta a longo prazo para combater a desinformação começou por afirmar que “todos somos vulneráveis à desinformação”. É por este motivo que a organização à qual pertence tem vindo a desenvolver vários workshops para todos os tipos de audiências.

Nereida Carrillo, professora de jornalismo
A sua preocupação é ajudar as pessoas a saber identificar desinformação e conteúdo tóxico nas redes sociais. “Ensinamos a identificar fontes credíveis e que a credibilidade não é medida pela quantidade de seguidores e também ensinamos a distinguir informação de publicidade, de opinião, bem como, a verificar conteúdo e a pensar criticamente sobre o que se está a ler”, sublinhou.
No seu entender a alfabetização mediática deve ser para todos um processo contínuo, sistémico, colaborativo e entusiástico, reflexão apresentada no âmbito do Painel 5, durante a apresentação da comunicação intitulada Alfabetização mediática, uma ferramenta a longo prazo para combater a desinformação.
Para terminar, o AutoAvaliação não pode deixar de mencionar a intervenção de Bernardo Graça, responsável pelo projeto de fact checking da área de intervenção do Fundo Europeu para a Comunicação Social e a Informação da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, com a comunicação intitulada Fundo Europeu para os Meios de Comunicação Social.

Bernardo Graça, Fundação Calouste Gulbenkian
Bernardo Graça fez referência ao Fundo como um mecanismo financeiro destinado a apoiar os esforços colaborativos na área da verificação de factos, investigação sobre desinformação. Estudos e pesquisas sobre literacia para os media. “É importante o fact checking, mas também são necessárias mais investigações acerca das motivações por detrás destas narrativas e como podemos resolver esses diferentes problemas, bem como a promoção da literacia mediática”, acrescentou Bernardo Graça.
No final do congresso, o sentimento era de satisfação pela constatação de uma rede fortalecida de profissionais dedicados ao combate à desinformação, munidos com novos conhecimentos, ferramentas e estratégias para promover a disseminação de informações precisas e confiáveis. A ideia é a de que “juntos, podemos construir um ecossistema mediático mais resiliente que defenda os princípios da transparência, da responsabilização e dos valores democráticos”, sublinha fonte da organização do 1.º Congresso Europeu sobre Desinformação e Verificação de Fatos.
O congresso na íntegra encontra-se disponível em: