Que lugar tem a cultura nos media?
12 NOVEMBRO 2023
Estagnação jornalística prejudica a busca por originalidade e novos talentos
Os problemas atuais do jornalismo cultural não se limitam apenas à falta de variedade temática, mas também se manifestam na superficialidade da cobertura, onde a profundidade analítica muitas vezes dá espaço à urgência da notícia instantânea. A saturação de notícias sobre eventos culturais mainstream cria um ambiente competitivo, onde a originalidade e a descoberta de novos talentos são descartados. Diogo Paredes, jornalista no Jornal do Centro, salienta a importância de os jornalistas procurarem temas menos evidentes e reportagens que não são tão óbvias.
por Soraia Ferreira

Diogo Paredes a trabalhar na redação do Jornal do Centro
“Eu acho que todos os estilos têm valor e até acaba por ser ao contrário, como eu não quero cair na minha zona de conforto na cultura, acabo por estar a fazer muitas coisas que nem sequer tem a ver com aquilo que gosto diretamente”
Soraia Ferreira: Sendo jornalista e cobrindo a parte cultural, sente que alguns estilos musicais menos apreciados aos olhos do público nomeadamente Jazz, Fado, Gospel...têm menos interesse jornalístico comparativamente aos grandes estilos musicais como o Pop, Rock, Rap...?
Diogo Paredes: Eu não diria que tem menos interesse jornalístico, eu acho que se calhar até tem mais. Sendo objetivos se calhar não vai ter tanta leitura, a questão é quando se está num jornal, tem de se tentar fazer um equilíbrio entre aquilo que é “clicável", no sentido que atrai as pessoas e aquilo que mesmo que não atraia muitas pessoas, é sempre preciso porque senão estávamos sempre a fazer notícias da mesma coisa. Eu sei que se meter alguma coisa Pimba, se anunciar que vem cá o Tony Carreira ou o Quim Barreiros, toda a gente vai clicar, mas sei que se houver aqui um concerto de Fado ou um concerto de Jazz, que também é importante ainda que seja para um nicho, é importante noticiar isso. Eu acho que todos os estilos têm valor e até acaba por ser ao contrário, como eu não quero cair na minha zona de conforto na cultura, acabo por estar a fazer muitas coisas que nem sequer tem a ver com aquilo que gosto diretamente.
SF: Quando chega ao local onde vai cobrir um evento sente que os jornalistas são bem recebidos e as pessoas têm abertura em falar consigo? Qual o maior desafio?
DP: Normalmente somos, na maioria dos locais onde nós vamos, também é do interesse das pessoas falarem connosco. Há sempre esta ideia que parece que as pessoas estão a fazer um favor ao jornalista, mas na verdade nós é que estamos a fazer um favor porque lhes estamos a dar palco. Normalmente as pessoas não são mal-educadas para nós, agora depende, se fores entrevistar uma senhora mais idosa num café ou numa varanda, se calhar ela vai dizer "não quero falar”, aí é mais difícil. Quando é instituições é fácil, quando é na rua é muita tentativa-erro e ter lábia, podes ser tímido/a, mas tens de ativar um chip para conseguires falar com as pessoas à vontade.

Diogo Paredes na redação do Jornal do Centro
SF: Como é que acha que a tecnologia está a impactar a forma como as pessoas consomem a cultura e, por sua vez, como aborda essa mudança no seu trabalho?
DP: Eu acho que há os dois reversos da medalha. Há o streaming e sites para ver, mas a nível musical com a questão do Spotify e o Youtube já não se espera meses para ouvir um álbum e como não há tanta música disponível estás só mesmo a consumir aquele álbum e a absorver aquilo. As pessoas perderam um bocado o conceito de ouvir um álbum do início ao fim. O jornalismo adapta-se à nova tecnologia e a cultura também. Os livros é talvez o que se está a perder um bocado mais, porque as pessoas não leem, há uma data de estímulos…São uma coisa super massificada, nunca vão deixar de existir porque há muita gente que continua a gostar de ler, por exemplo online, tem a ver com o que nós conseguimos fazer com a tecnologia, por um bocado o limite à tecnologia para ela trabalhar para nós e não sermos nós a estar escravos dela.
“Quando se está a escrever cultura, o truque é saber pintar um bocado o texto”
SF: Como é que equilibra a imparcialidade como jornalista com as suas próprias opiniões e preferências pessoais sobre cultura?
DP: Quando se está a escrever cultura, o truque é saber pintar um bocado o texto, fazer um texto não tanto Hard News, fazer uma coisa mais poética do que propriamente fazer um texto muito direto. Isso às vezes ajuda porque dá para navegar um bocado no texto que quero fazer, então, nesse sentido é difícil fazê-lo, mas com a prática consegues perceber quando é que estás ou não a passar a linha e o que podes brincar ou não com o texto. Óbvio que não podes alterar citações, mas em vez de dizer "apenas que cheguei à prisão" posso descrever a prisão, não há problema nenhum e logo ao fazer isso torna o texto mais apetecível.
A falta de inovação do jornalismo
SF: A cultura molda a sociedade através dos costumes e tradições, algo que não é físico, mas precisa de ser vivenciado. O jornalista tem um papel importante na transmissão de informação acerca dos eventos e de que modo tentam cativar as pessoas a lerem mais sobre cultura e irem a eventos?
DP: Os jornalistas são muito importantes na parte de cativar pessoas para cultura. Toda a gente gosta de futebol, uma notícia de futebol vai render muito mais, mas temos obrigação de fazer notícia tudo o que se conseguir que tenha a ver com cultura e não discriminar as coisas mais pequenas porque às vezes pode ser interessante. Se fizeres uma notícia sobre um teatro amador que vai estar no ginásio do Sátão, as pessoas de lá que vêm a notícia até vão gostar de ter isso. É sempre um bocado subjetivo a questão de cultura ter impacto. Acho que no fundo têm de se tentar pegar em tudo que se consiga e sendo um jornal regional, pegar em tudo que não seja nacional. Eu prefiro dar notícia de um sítio cá de Viseu que tem iniciativas culturais que escrever que vem cá um artista nacional porque já 20 jornais diferentes vão estar a dar essa notícia. Eu acho que é um bocado saber onde é que consegues trabalhar e tirar melhor proveito das peças e dos temas que tens.
“Um indivíduo que já esteja a fazer festivais nacionais e grandes coisas, posso fazer uma notícia sobre ele que vai ser clicável, mas por outro lado já vai muita gente pegar nisso e se calhar fica mais interessante eu pegar noutro artista e dar-lhe mais palco”
SF: Acha que a cultura local é suficientemente valorizada nos media em comparação com a cultura nacional?
DP: É uma boa questão. Eu acho que a cultura nacional é um bocado a cultura regional que transbordou, mas tem outra dimensão e, portanto, é nacional. Aí entra a tua parte enquanto jornalista de conseguir analisar as coisas. Um indivíduo que já esteja a fazer festivais nacionais e grandes coisas, posso fazer uma notícia sobre ele que vai ser clicável, mas por outro lado já vai muita gente pegar nisso e se calhar fica mais interessante eu pegar noutro artista e dar-lhe mais palco. Estive há pouco tempo a fazer o álbum dos “Bela Noia”, são artistas minimamente conhecidos cá, mas senti que quando eu lhes fiz a notícia aquilo foi uma boa ajuda para eles terem mais visibilidade. Dá sempre jeito dar palco às pessoas locais em vez daquelas que já estão mais lançadas.
SF: Por fim, qual é que acha que vai ser o futuro dos jornalistas de cultura tendo em conta que cada vez mais as pessoas querem ficar em casa a usar as tecnologias que já lhes permite ouvir música, ver peças de teatro e filmes sem sair do conforto de casa?
DP: É uma pergunta genérica aos jornais, a sociedade no geral tem de conseguir perceber que, até há um artista que anunciou algo no Instagram, mas tu já sabes que a notícia que fizeres sobre isso já não tem valor porque as pessoas já viram nas redes sociais, por outro lado há muita informação. Sabe bem saberes que se fores ver um jornal, aquela pessoa soube filtrar as coisas e tens ali o essencial e o que precisas, não te perderes no ruído e nas coisas que estão a acontecer. É giro ter um jornal e ter alguém nesse jornal que te ponha a par das coisas que estão a acontecer, tipo um explicador. Há sempre um papel que é preciso fazer.
Ouvir a entrevista na íntegra: