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“Um jornal não pode ter mais publicidade do que conteúdos”

“Os órgãos de comunicação tradicionais estão a perder terreno em termos de publicidade” afirma Emília Amaral de 56 anos, jornalista no Jornal da Beira em Viseu. Com o passar dos anos, a publicidade evoluiu e a sua dinâmica e forma de aparecer nos meios de comunicação social também mudou. Emília Amaral dá-nos a sua perceção e ajuda-nos a entender um pouco do que se passa na área da comunicação atualmente.

Mafalda Oliveira

24 JANEIRO 2024

Apesar de ser uma questão presente no nosso dia a dia, a verdade é que há uma falta de informação fornecida à sociedade sobre o assunto. É necessário educar a população sobre esta matéria de forma que cada um possa tirar as suas conclusões sem ser induzido a erros.


Celeste Azevedo, de 59 anos, assistente técnica da Câmara Municipal de Espinho revela que na sua perceção os órgãos de comunicação para terem uma boa audiência precisam de dar “uma injeção de publicidade entre os programas, para aproveitarem os momentos em que as pessoas estão agarradas ao ecrã e projetarem assim todo o tipo de publicidade”. Uma opinião que decerto tem o seu valor, mas que demonstra como este tema nunca foi explicito principalmente para a geração Baby Boomers (indivíduos que nasceram entre 1945 e 1964).

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Gráfico do estudo “A Sustentabilidade do Setor da Comunicação Social” presente no site da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Supervisionado por Francisco Azevedo e Silva.

Cada vez mais a televisão eleva os preços de tabela para o mercado publicitário. Desde 2017 até hoje houve uma subida marcante do custo por minuto para uma publicidade passar na televisão ou na internet, o contrário para a Imprensa e a rádio que têm vindo a ter uma recaída. O que tem sentido, quando esses meios de comunicação se vêm com dificuldades para se sustentarem.


Diana Tavares, de 25 anos, contabilista financeira, diz que chegou a uma fase em que vai “ignorando a publicidade” um testemunho que deixa em alerta a necessidade de intervir e tornar este sistema de financiamento dos órgãos de comunicação diferente, antes que seja a própria sociedade a deixar de lado.

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Por mais dificuldades que possam existir, Emília Amaral nunca trocou de profissão, é “jornalista desde sempre”.

Apesar de muitos terem uma opinião negativa face à publicidade, Emília Amaral confessa que na verdade a publicidade às vezes “faz respirar o próprio jornal”. “É preciso perceber que está a ser um exagero, mas também aceitar que é uma mais-valia para os órgãos de comunicação social e para a sociedade” comunica a jornalista enquanto se refere às inúmeras interrupções constantes no online, por parte de patrocínios.


“Muitas vezes eu fico a conhecer através da publicidade, coisas que eu nunca tinha visto, o que me desperta a curiosidade para pelo menos experimentar” um relato de Celeste Azevedo que retrata o dia a dia de muitos que por mais que afirmem não darem ouvidos à publicidade, no fim de contas são de certa forma manobrados por ela.


A manipulação por parte das publicidades que vemos nos jornais, revistas e na televisão é também um tema discutido hoje em dia, Carolina Oliveira acredita que por vezes as pessoas têm de ter consciência do que fazem e dizem e perceberem se não estão a ser levadas por estratégias de marketing de empresas: “Nós acabamos por no subconsciente achar uma marca de confiança só porque constantemente a estamos a ver, e depois é uma mudança de comportamento coletivo, parece que toda a gente concorda que aquela marca é boa e é de confiança. Acabamos por ser influenciados e às vezes gostamos de uma marca, sem termos a informação completa sobre a forma como trabalham, o tipo de mão de obra que eles usam, os termos éticos, morais, de ambiente e responsabilidade social, tudo por causa deste tipo de manipulação”. 


Já para Celeste Azevedo, “as pessoas também têm cabeça para pensar, podem ver a publicidade e retirar dela a informação que entendem que devem retirar e não se deixar manipular”, uma opinião muito marcante e direta sobre o assunto.


Neste panorama atual, a jornalista relata que tem a noção que “hoje usa-se muito a reportagem publicitária, parece uma notícia, mas no fundo é publicidade” e atenta que apesar de ser a lei identificar este tipo de casos, muitas vezes na televisão isso não acontece, o que pode levar a população a estar perante uma publicidade sem nem se aperceber.


Para os jornalistas e para quem está na área da comunicação estes acontecimentos são fáceis de identificar, mas para a sociedade comum nem sempre é assim tão acessível.


A jornalista, confessa que existe sim uma “pressão por vezes da parte da direção do jornal” em fazer com que a redação desenvolva reportagens ou notícias que sejam à base de conteúdos publicitários, mas que “eticamente nós temos de saber onde é que estão os nossos limites sendo que temos um código deontológico para seguir”.


Com a intenção de explicar melhor e para dar a entender a todos fora da área de que forma é que se gere a publicidade que aparece em cada órgão, Emília Amaral elucida que, “em termos nacionais, a empresa que quer publicitar algo do seu trabalho vai ter em conta a linha editorial do jornal, antes de efetivar esse contrato, pede alguns dados, como qual é o perfil do leitor do jornal e que perspetiva o jornal tem na leitura, e em função disso é que ele decide que órgão de comunicação vai publicar esse anúncio”. Por outra palavras, não é atoa que no jornal Expresso são publicitados anúncios da Endesa.
Sendo um jornal de economia tem todo o sentido os anunciantes apostarem num jornal como o Expresso e não num Record que é direcionado para o desporto.

A publicidade Endesa a ocupar metade do ecrã na primeira página do jornal Expresso. @Expresso

Emília Amaral informa que é normal por vezes a publicidade interferir nas operações diárias de um órgão de comunicação social, e declara que já “houve necessidade de tirarem uma reportagem minha ou uma notícia para colocarem uma publicidade”. Alega ainda que “há muitos colegas jornalistas que veem isso como uma afronta” mas que no seu caso não o entende dessa forma, “talvez pela experiência de muito anos, percebendo que os jornais têm que se equilibrar para poderem ser rentáveis e sustentáveis, se o editor ou o diretor do jornal sentiram essa necessidade, é porque nesse dia ou nessa semana o jornal precisou, porque cada edição que sai para as bancas, tem de se pagar a si própria”

Que papel tem o Estado?

Apesar de todos terem uma ideia sobre, ninguém é capaz de detalhar uma solução eficaz para acabar com este problema.


Apesar dos jornais estarem dentro do Ministério da Cultura, não basta, atualmente “a publicidade nos órgãos de comunicação social tradicional está a baixar, e esse é um dos problemas da sustentabilidade dos órgãos tradicionais”.


Emília Amaral, explica-nos como é que os órgãos de comunicação de sustentam atualmente, e quais são as principais barreiras para um melhor desenvolvimento da comunicação social. 

Opinião de Emília Amaral relativamente à posição do Estado sobre este tema

Acrescenta ainda que “se o Estado reconhece que haver órgãos de comunicação social libre e independentes é fundamental para a manutenção da democracia, também tem que assumir como tal”. 


Uma opinião que acompanha o raciocínio de Carolina Oliveira, de 31 anos, promotora de vendas do The Lodge Porto Hotel, que demonstra entender a necessidade das publicidades visto haver “falta de soluções para financiamento”, mas que seria “agradável estar a ver uma notícia e não estar a ser impingido alguma coisa”.

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Jornal da Beira tem 103 anos e garante-se por assinaturas

Emília Amaral termina acautelando sobre a posição que a sociedade também deve tomar face a este problema: “O Estado tem obrigação de ajudar, e nós que trabalhamos nesta área temos obrigação de o reivindicar também, não nos sentarmos à sombra da dependência local, nacional ou regional”.

 

Link com acesso ao estudo “Gráfico do estudo “A Sustentabilidade do Setor da Comunicação Social”: https://www.erc.pt/pt/estudos/grupos-economicos-stakeholders/a-sustentabilidade-do-setor-da-comunicacao-social/

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